28.11.08

Um fio condutor de mão dupla

Uma homenagem a uma amiga, leitora, e, a cada dia, grande escritora.

Ser poeta é ter o “olhar” nas mãos. Talvez soe estranho afirmar isso em um mundo cada vez mais imagético como o nosso. Não privilegio a imagem, mas preciso entendê-la para descrever o que letras distantes me dizem. Um grande desafio para essa “luta vã contra as palavras”. Enfim, escrever é um fio condutor de mão dupla entre o leitor e o escritor.
Por isso, olhei na internet o que significava a expressão utilizada pelo blog que acompanho. As minhas mãos seguiram o teclado, como agora, em busca do duro fazer da prosa “poésis”. Ainda, procurei o significado do nome Vanessa com o objetivo de completar essa enigmática homenagem.
Descobri que o “Fio de Ariadne” tem o seu intertexto com a tradição mitológica e que a autora é uma exímia mariposa. O bordejar de suas palavras nos fascinam a cada acesso. Isso me fez compreender o poder do particípio passado do verbo tecer em latim. Um texto torna-se poético diante da visão do leitor que o mimetiza em seu próprio coração.
Aí observamos que a distância entre criador e receptor não existe mais. É como se cada palavra fosse lida pelas membranas de nossas células espirituais. O passo seguinte, então, é a contaminação por esse único vírus benéfico. O ácido dissóxido companheiro resgata de nós aquele pacto com a nossa leitura.
Nesse momento, não sabemos mais o quanto esse fio nos enredou. E tudo acontece como o surgimento de um verdadeiro amor. Pois não podemos explicar o momento em que os olhares se cruzam por, às vezes, eternos cinco minutos.
Se agora sou escritor é porque há momentos atrás fui leitor. No entanto, li boa obra, ou reflexão, que dialogou com o que acontece de mais verdadeiro na vida. Ser escritor é mimetizar a realidade por meio de invenções verdadeiras. Também renunciamos a nós mesmos em prol do mundo do leitor.
Vanessa se entrega em seus textos. Ela tece cada linha como pista para novos olhares e nos tira do grande labirinto virtual. E, embora seja minha leitora assídua, consegue me conduzir a caminhos de reflexão sobre os meus fios textuais. Isso é escrever. Olho com muito bom gosto esse tipo de trabalho, porque sei que a crítica e a humildade não faltam aos sábios.
Mas a maior sabedoria mesmo está no “olhar” do coração. Os bons profissionais são aqueles que amam o que fazem. Por isso, nem precisam demonstrar o que sabem. Todo escritor procura fazer o que escrevo. Vivem a liberdade de seus sentimentos na palavras surgidas a partir do invisível. As mãos, por sua vez, auxiliam na tradução poética da prosa em que vivemos. Seguem os fios de uma rede muito maior da que encontramos na mídia utilizada por nós.

9.11.08

Crônicas a Loreley (parte 1)

Inspirado em Uma aprendizagem ou o livro de prazeres de Clarice Lispector


Era uma vez a donzela Loreley que vivia debruçada em sua janela. De lá, via os seus pretendentes passarem com enormes propostas. Mas havia um que a incomodava... O nome dele? Dichter von Gedichter. Um grande poeta que sofria por suas atitudes nobres. Eles poderiam até ser felizes, se muitas coisas não atrapalhassem esse encontro.
Ela acreditava em que todos os seus amigos lhe falavam, enquanto ele apenas queria um pouco de atenção ao seu bravo coração. O estranho é que Lóri preferia ouvir o que todos diziam sobre o rapaz e nunca escutava os próprios sentimentos. Isso ele tinha certeza, porque nem amizade com o poeta parecia existir.
Talvez fosse o acaso da vaidade e do orgulho de poder dizer para as amigas: _ Ele me ama! Mas Dichter respondia com amor a qualquer tipo de resistência dessa princesa. Devemos ressaltar que estamos no século XXI já! E como era vista a atitude desse moço perante a sua amada? Para ela, era uma grande sujeição.
Coitada. Não entendia o esforço que o próprio poeta fazia, todos os dias, para engolir o próprio orgulho. Sim, ele tinha orgulho. No entanto, era capaz de passar por cima dele para aturar o que diziam sobre a sua imagem.
Logo nesse mundo em que o machismo é abraçado como postura de covardes e que demonstrar carinho é uma fraqueza. Chegou até a ouvir muitas blasfêmias. E Dichter? Mantinha-se forte em sua convicção. Afinal, amor não cabe em caixinhas de música.
Loreley, por sua vez, era muito inocente, assim como a maioria das mulheres de nosso tempo. Todas acreditam que dominam o mundo com as suas estratégias de conquista, mas estão vulneráveis a qualquer malandro. Dichter imaginava horas o porquê de tanta farsa naquele Castelo.
Sim. Ela construiu muros em torno de si. E, por incrível que pareça, o único impedido de escalá-lo foi o nosso poeta. Não o defendo, mas também não entendia a quantidade de estúpidos a que ela aceitava ao invés dele. Esse era o maior segredo de nosso século: As mulheres pretendem dominar os homens com os seus ardis.
Entretanto, digo o que aconteceu com Lóri. A moça acreditava que tinha a vida nas mãos, quando estava sendo enganada e guardando mais amargura em seu coração. E Dichter? Se tornava forte com a vida. Ía em breve arrumar outro amor. Mas era fraco né? Pensava em resgatá-la de seu Castelo. No fundo mesmo, Loreley estava sozinha.
O primeiro pulou a janela e ficou durante dois anos. Com o tempo, tornou-se amigo da família. Invadiu a sua vida, enquanto ela achava que o tinha na mão. Então, vieram os ciúmes e o grande monstro se mostrou quem era de verdade.
O segundo chegou com planos de felicidade. Mas, na primeira oportunidade, deixou a própria mãe chamar Lóri de “piranha”, louca, etc... O que queria mesmo era dominá-la a partir do próprio ciúme que sentia. E a nossa princesa marcava o seu coração com mais uma marca de ferro.
O terceiro, mais velho, fez o jogo inverso. A desprezou demais e ela aceitou. Até disse a Lóri que não se importava com o que ela fosse fazer com a própria vida. A ausência de ciúme a magoou. Quem sabe talvez aquele cara tenha sido colocado em sua vida por terceiros.
Já, nesse momento, Dichter aguardava uma chance. É nisso em que acredito. Existem pessoas que não desistem de seus sentimentos, apesar dos contratempos da vida. Mas nada é perfeito... Loreley, já muito machucada, decidiu se resguardar. Passou as férias em casa e conversou com o quarto que se fez de amigo.
Esse já a amava há muito tempo. No entanto, aguardou o momento propício e os amigos em comum para enredá-la em sua rede. Pulou a janela num ato de covardia. Afinal, sua estratégia foi usar de uma falsa aproximação por meio do que ouviu falar de nossa princesa.
O nosso poeta, então, decidiu esquecê-la. Procurou outras janelas, mas não admitia que fosse trocado por mais uma falsa companhia. Ficou em seu canto e já a esquecia. Encontrou um antigo amor com quem começava a trocar novas conversas. Era hora de receber também o amor que nutria.
Mas algo aconteceu entre Lóri e o seu quarto pretendente. O velho fantasma do ciúme os afastaram e as brigas voltaram. Aliás, aquilo parecia se repetir como antes. Outro que pulou a janela com o intuito de agradar com elogios oriundos de sua vontade. Então, a moça marcava pela quarta vez o seu coração. E agora a perversidade foi pior! Era uma amizade que veio a desmoronar por segundas intenções.
Ela, então, indecisa, não sabia o que fazer. Guardou mais um insucesso em seu coração e ouvia um antigo amigo. Esse foi esperto. Não tentou pular a janela de primeira. Se fez de amigo dela e de Dichter. Para depois, agir com o mesmo ciúme e se sujeitar aos desejos de Loreley.
E o nosso poeta? Recebia como sempre as chagas dessa princesa sem reclamar. Talvez ela não entendesse e nem as amigas dela. Todos achavam que ele adorava o sofrimento. Entretanto, quem ama é capaz de se sacrificar por alguém. Não que o nosso amigo fosse perfeito. O desejo de Dichter está repleto de amor. Isso não existe em nosso cotidiano.
Lóri não percebia que ele podia ser o sexto nessa seqüência. O seis simboliza a multiplicação do três, número considerado perfeito por nossa tradição cristã. E o quinto pretendente agiu sorrateiramente. Sem ser verdadeiro, porque devia saber ainda mais que os outros o tamanho da ferida exposta no coração dela.
Já o nosso poeta não abaixou a cabeça. Mas sabia que a história poderia ser outra. Ciúme é um sentimento baixo que não queria nutrir. Decidiu abraçar as feridas de Lóri em transformar em fábulas. Esse é o verdadeiro caráter da escrita. Ela recria a realidade de forma a nos fazer refletir com menos sofrimento. E não uma fuga de seus problemas. Talvez ela ainda não o entendesse. Ou entendia e fingia que não.
Hoje, ela está, com certeza, com mais uma marca em seu coração. E Dichter cresce com as experiências a ponto de amadurecer bastante. O seu sofrimento não é por um amor banal que respondeu aos desejos de sua amada. É o amor que faz flores nascerem em pedras. E sempre deixa uma pergunta no ar: Quem sabe essas flores não formem uma corda para subir à janela desse Castelo construído nesse mundo de (des)ilusões. Triste, porém, pode ser o dia em que Lóri o procurar abaixo de sua janela e não o mais encontrar...