24.11.14

Arte breve, vida longa

"Falar a língua dos incautos nos afasta da língua dos doutos."

É assim, numa noite,
na madruga,
que a voz do poema vem
e sussurra pra mim.

O amor lá fora,
as letras aqui dentro.
E eu sofrendo por querer unir
o separado.

Caminho solitário pelas entranhas do saber,
porque ser ignorante é uma dádiva
na terra do ser.


Antigamente, em nossa terra,
o prejuízo era conjugar o ter,
mas também erra quem só sabe ser.


Humano, bicho difícil, surgiu
de um caudal eterno de línguas marginais.
No entanto, sempre marginaliza os que vão por margens iguais.


A língua fere os incautos
por serem naturais. Não verticalize,
quem horizontaliza os dias em normais.


Se “achegue”, pense,
a arte nunca foi pra poucos.
Afinal, só aprende quem da vida
Se fez douto.

E o significado de viver, meu caro,
é muito caro,
não está em nenhum dicionário.

20.10.14

Incrível

"As pessoas nos decepcionam não porque geramos expectativas, mas porque elas não sabem lidar com o outro." RS


E, mais uma vez,
sinto uma espada transpassar meu coração.
Foi aquele “talvez”, tiro certeiro,
que estilhaçou o espelho da solidão.

Não me incomodo
por ser deixado de lado.
O incômodo é não ser enxergado.

Resta-me soltar os demônios na escrita
para ver que anônimos me perseguem nesta vida.
São os iguais diferentes de mim,
mas insones de pesadelos sem fim.

Incrível como os sentimentos
são coisas descartáveis
no nosso tempo.

Não há mais tempo pra ser bom,
ser justo.
Porque justamente as pessoas não irão
se importar com o que pensamos.

A dança das cadeiras começou
e pegue o seu lugar. As pessoas te decepcionam
num minuto, como o ato de respirar.

Onde está a alteridade
no jogo de se importar?
Acho melhor adotar a importação
E, da poesia, melhores humanos tirar.



15.10.14

Panorama

Num panorama,
tento olhar a paisagem em mim.
Mas é longa a viagem
sem saber pra onde ir.

E, pela calçada das lembranças,
vejo esperanças gravadas em mármore.
Com desenhos que representam
o mar , ou o amor.

Ao descer dela,
avisto à rua transitada por desilusões.
Quase sou atropelado por um caminhão de inveja.

Esquivo e paro em frente à vitrine
da loja da vida.
Tudo muito caro, porque não há preço
para viver.

Um vendedor sábio sai de lá de dentro
e me olha, por fora,
como se a fina casca lhe dissesse algo.

E eu sofrendo por duplas camadas
sou o vulcão de sentimentos
no meio da cidade.

Cuspo lavas de solidão,
porque procuro ser coletivo
no uso da mansidão.

Coração manso e honesto
é o que tenho a oferecer.
Mas só me oferecem o que é funesto
como um poluído entardecer.

E isso é apenas um panorama da Realidade..
Ainda bem.


28.9.14

Canção à Anarquia, meu amor


                              Toda brasileira é anarquista por natureza

Meu amor é nada diante dela.
Singela, donzela, vive no país chamado Brasil
que não merece a dimensão que tem.
Seus limites não ultrapassam as linhas deste poema.

Feminista, solitária,
Trabalha todos os dias
e representa uma causa sofrida.

É ela mesma diante do império
das nádegas que se ergue
no território chamado Rio.

Não tem rosto, não tem forma,
porque forma opinião.
Seu coração não chora
diante das ruas de perdição.

Sabe que ser mulher é difícil,
mas esta musa é o meu vício
para a salvação.

Quero me salvar do machismo
em que as “negas” estão.
Afinal, virou moda falar de racismo
sem expor nenhuma razão.

Aliás, arrazoado é este país
que alimenta a emoção
como se fosse uma desregrada diretriz.

Anarquia é o nome
desta donzela inspiradora.
Ela alimenta a fome de justiça
dessa terra eternamente sonhadora.

Queria continuar,
mas meus versos são mais independentes

do que a minha realidade.

21.9.14

A grande mísera ação





“São as pequenas ações que constróem uma grande Sociedade”
A todos guerreiros de uma terra periférica chamada Brasil

Percebi depois de um tempo
que minha arte vale mais que vento.
Não sei por que isso é assim,
se o artifício do artista valoriza por si.

E o tempo ao relento
me faz mendigo de amores e emoções.
Solitário, o talento vai sobrevivendo
em meio a canções.

Sim, porque minha rima ri da má interpretação
desse mundo que rejeita solidão.
É melhor manter status ativo do que se aceitar desiludido do coração.

Vou escrevendo, rimando, sofrendo
e amizades construindo a cada declamação.
Você aí do outro lado, ouvindo verso rimado, dizendo:- poeta “bão”.

Já a minha bondade preenche um vazio,
pois me transforma um mendigo
com este verso dito, confundido com comiseração.

Quando, na verdade, de tão grande sentimento
Meu poema se faz com uma mísera ação.

O ato de escrever e rimar com o espírito da multidão.





18.9.14

Poeminha do contra (Século XXI)



                                       A Mário Quintana

Pior do que inimigo é o que se faz de amigo pra te ferrar... pior do que gente preguiçosa é gente invejosa que só trabalha se ver você trabalhar... pior do que ver tudo isso é quando usam a sua fala como recado pra pessoas que o próprio fofoqueiro não tem coragem de falar. Não sou homem de recados. O que escrevo, ou falo, não calculo a esmo e é apenas por falar.  Só toma como julgamento aquele que quer me julgar. E esses que aí estão não passarão, assim como me deixarão caladinho.

31.8.14

Poética da indiferença



                                     "Vamos pedir piedade, Senhor piedade (...)" Cazuza

Se eu mudo calado ninguém percebe.
Palavras são necessárias
a quem não recebe.

Esse mundo ficou mudo
Sem eu perceber.
As pessoas nos cobram e só querem receber.

Sinto me deslocado neste meio
em que a comunicação
faz-se necessária.

Sem muito rodeios,
procuro ação
no olhar de cada vida diária.

Indiferente sou recebido,
enquanto solícito,
serei expelido.

São estufas humanas
em meios de cultura vitais.
Mas precisam aprender que reciprocidade não se paga.

Minha individualidade me assusta nesta cidade
de aglomerados sonâmbulos de piedade.
Meu grito torna-se poético
por não ser profético
desse coletivo.

Quero comunicar que
quem escreve aqui
só quer tornar comum
essas redes humanas socialmente sofridas.

Sou menos virtual do que pareço,
pelo menos pra quem lê este texto
do lado avesso.



24.8.14

S. O. S.

“Recomenda-se não se ter o coração como a maior parte do corpo.”


Preciso de um amor
pra me salvar.
Preciso de um amor
diferente de mim.

Aquele que purifica,
sonha, liberta
ou ressuscita.

Porque amor
é a força de ser com
para deixar
de ser para.

Dizem que isso é carência,
mas o carente não estima
nem no auto.

Estou cansado de me amar
num mundo em que ninguém
ama ninguém.

Vamos socorrer o mundo
com amor. Sem discar 0800

ou cobrar nada por isso.

29.7.14

                                                            Venda-se


Peguei me aqui entre o note e a cama. Olhos cansados, corpo pesado, quero apenas voltar a escrever. De forma, despretensiosa vim ao blogger escrever um pouco. Esqueço o que conheço de traquejos literários, lembrando de que gosto de esquecê-los no meio da inspiração. Vender ideias é meu costume, ainda que nem sempre as pessoas queiram comprá-las.

Ironia, ou não, acabei no ramo das vendas. O ambiente da loja me refaz no cotidiano bruto a ser lapidado. Às vezes, meus colegas me pegam absorto com o olhar largado na rua. "O que houve R. ?" - perguntam alguns mais indiscretos. Esses anos têm me trouxeram a suspeita do DDA inato, porque não sei no que tenho me transformado.

Alguns ainda acreditam na minha vocação pra aulas. Dizem ser perda de tempo ser vendedor, mas não há nenhuma profissão que proporcione um contato tão próximo com o ser humano como o ramo de vendas. Não sou estúpido também de dizer que esta profissão é um laboratório de experiências, afinal se não precisasse me suster de verdade, estaria blasfemando contra mim mesmo ou contra o ofício. Na verdade, sinto-me cada vez mais inclinado pra voltar a escrever, pensar e conversar com as pessoas. O contato com a realidade é muito mais próximo e verossímil do que se estivesse rodeado de paredes universitárias. Aliás, lá eles vendem algo morto chamado conjecturas, como se elas fossem progenitoras e não, filhas das ideias.

Vender ideias é se vender no bom sentido. Estar disposto a dialogar com/ e, ser você mesmo, diante de gente desconhecida. Já faço esse exercício há ano e pouco. E, apesar de dolorido, o choque tem me revelado descobertas maiores do que uma tarde de leitura de Kafka. Em suma, ser concreto também é devanear em sua realidade. Acho que muitos bacharéis deviam viver dias de operários, como diriam os filósofos que já não visito mais e, portanto, esqueci alguns nomes. A criatividade está em esquecer o base de sua essência que construiu a superfície. Vivemos em um mundo superficial, onde a venalidade não tem nada a ver com se expor para a vida. E é neste ponto que muitos erram.