30.6.09

O Hades na mídia

Quando cheguei a casa na outra semana, parei em frente ao computador para ler algumas mensagens da internet com o cansaço habitual de outrora. O meu olhar para a tela me trouxe uma notícia que ainda reverbera em nossos dias. A morte de Michael parecia-me ter ocorrido naquele instante, devido à tamanha surpresa ocasionada em meu espírito. Mais do que isso, sentia uma certeza muito concreta no mundo de hoje: É difícil sempre escrever com vida em um mundo que privilegia a morte.
Talvez o contexto dessa frase pareça-lhe um humor negro diante de todo o ocorrido. Na verdade, o discurso construído nesse texto destrói a hipocrisia permanente da mídia especulativa e solidária com a mortificação da experiência de nosso tempo. Jackson teve uma parada cardíaca que o transformou em Deus para a mesma sociedade pusilânime de outrora. Afinal, as notícias vindas a seu respeito nunca circulavam com vida.
Tive, por muito tempo, que aturar os seus casos de pedofilia, os seus problemas mentais e a história do homossexualismo de um ídolo desconhecido. A minha geração deveria fazer a mesma pergunta, feita por mim, a essa propagação de boatos: Onde está o meu ídolo?
Imagine, então, a surpresa ao encontrá-lo em uma ambulância, cercado de paramédicos. Essa foi a última imagem que recebi do homem radiante dos anos 80. Digo homem e não, criança por acreditar na sua maturidade em lidar com uma sociedade de espetáculos muito amadora. E por que não uma civilização trágica? Pergunta bem propícia nesse momento.
O rei do pop tinha lá os seus problemas, mas quem nunca teve? Parece-me que a lente da conspiração recai sobre os mais fracos ou sobre os indefesos. Tudo é motivo para uma glorificação de fatos. Esses, por sua vez, assumem a conotação conveniente aos canais de transmissão. Lembrei-me agora do filme Truman e Jackson parecia viver nele, embora o filme passasse em preto e branco.
O que quero dizer é que o choro da minha mãe, no sofá da sala, fez-me entender a dimensão daquela vida tão coletiva e pessoal. Muitos nasceram ouvindo Billie Jean sem pararem para pensar no sofrimento daquele humano que se contorcia como um maestro no palco. Isso é arte!
Cheguei a comentar com o meu irmão o fato de suas músicas serem simples, mas apresentarem um componente único: Michael Jackson. O cantor deu vida às suas canções e fiquei muito triste com essa onda de homenagens sucessivas, como se ele nunca tivesse existido antes. Sou a favor de homenagear a pessoa em vida, porque já perdi oportunidade de agradecer pelos ensinamentos de muitas, enquanto o coração delas pulsava por segundo.
Peço, portanto, que não lêem esse texto como mais uma dessas homenagens correntes, porque queria ultrapassar o ambiente de morte de nossa sociedade. O Brasil costuma enaltecer muito mais os seus mortos do que os guerreiros desse cotidiano sofrível, mas cheio de vida.
A minha revolta está na forma como um negro norte-americano teve a sua vida descartada no mundo e reimpressa no momento em que perdeu a sua luz. É muito bom homenagear a alguém. Por isso, sempre que posso, escrevo um texto para quem merece o meu respeito. Daí o homenageado não acreditar nessa atitude gratuita.
Todo mundo quer ganhar o seu lugar ao sol. No entanto, esquecem-se de que a fama pode trazer mais peso do que o esperado. Jackson não esperava ser o ícone que foi. Ele ainda faz parte do grupo seleto de artistas nascidos do prazer com a ação no palco. E não preciso ser nenhum crítico para saber que muitos buscam sucesso, antes da almejada fama. Devemos seguir cada passo, como se fosse o realizado na lua. De lá, poderíamos esquecer o quanto pisaram em um ídolo que flutuava no Hades da mídia.

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